No meu tempo ,  as cores eram bem diferentes que essas que colorem roupas e esmaltes por aí... Elas eram menos chamativas sabe ? E mesmo assim lembro que viviamos muito bem com elas . E por falar em gosto , na minha época , criança gostava mesmo era de ir pra casa da vó , porque na rua da vó tinham outras várias crianças pra brincar , colocar a mão na terra , pular amarelinha , correr de bicicleta , ver a vida passar sem pressa , sem medo que a internet caísse , porque não tinha internet que segurasse alguém de 7 anos em casa. Na minha época , escola tinha cheiro de biscoito , domingo tinha cheiro de parque , e o parque tinha cheiro de diversão e pipoca , meu pai tinha cheiro de conforto . Na minha época eu pedia a benção a Papai do céu antes de dormir . Tinha medo da minha sombra , gostava de bonecas sem elas precisarem de pilhas e falar corretamente 1.001 frases . Eu sou da época em que meninos e meninas podiam brincar juntos sem que isso significasse : gravidez precoce . Da época do abraço apertado , e do presente de natal embaixo da cama . Na minha época ainda esperávamos papai Noel , renas e escreviamos cartas contando como fomos bonzinhos ao longo do ano . Os celulares eram enormes , e não precisavamos de um , e muito menos de mensagens ao longo do dia para ficarmos felizes . Tinhamos janelinhas na boca e não no msn . Nem tinhamos msn . Na minha época eramos menos conectados e mais felizes . As barbies não giravam , nem tinham cabelos que mudavam de cor . Os desenhos não precisavam dar a aparência de que estavam saindo da tela pra prender nossa atenção . Usavam um rato pra ensinar que banho é bom e não pra testar cosméticos . Precisavamos rebobinar a fita , e tinhamos que esperar alguém pra ligar o vídeo . Pena que agora não tem ninguém pra rebobinar a vida , descolorir alguns tons , pintar a amarelinha na calçada , ver a vida passar , esperar o papai Noel chegar, alimentar as renas e os sonhos . Não tem ninguém pra me dar o meu passado, de presente.


Marí M.

Pensei por fim , se eu posso pedir tudo , se dizem que o mundo é meu , porque eu iria só querer metade ?  Eu quero tudo , assim , sem dó . Quero pessoas , fatos , fotos e festas .  Quero sair e aproveitar a noite , sem ter que dizer se eu beijei alguém no dia seguinte , e se eu beijei que não perguntem quantos beijos ou quantos caras . Quero sentir tudo como se estivesse sentindo pela primeira vez . Ter a ansiedade de ver a pessoa como se nunca a tivesse visto . Ver o céu azul , dar bom dia ao sol , sem acharem que estou ficando louca. Gostar de desenhos e até chorar com eles , sem me acharem infantil . É pedir demais ? É! Eu sei , por isso peço . Porque o demais não é nada quando se pode pedir o tudo , quando se tem o mundo . Só eu sei o quanto me custou chegar até aqui ; quando eu adoecer ou envelhecer , quando a hora chegar , vai ser a minha hora . Então se sou eu quem vai morrer , deixe-me viver! Se sou falsa , feia , idiota , bonita , real, planejada , complicada , detalhada , se tenho talento ou não para escrever . Deixe-me . Deixe-me ser , porque eu sendo alguma coisa , por mim basta . Basta dessa agressividade toda sem motivo , basta de lembrar de todas as coisas do passado que não deram certo . Basta pra mim , basto por mim . Falsa , feia , idiota , bonita , real, planejada , complicada , detalhada , com ou sem talento , má e as vezes muito atrapalhada . Você sabe quantos mil dias eu já vivi até hoje? Posso ter mudado todos eles . De cara , cabelo ou comportamento ; até os dentes eu já troquei .


Marí M.

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.



Fernando Pessoa .

 

As palavras escritas no computador podem muito. Mas nem sempre enxergam a verdade. São sete horas de uma manhã chuvosa. Você não dormiu bem à noite. Põe pra tocar um som instrumental que deixa suas emoções à flor da pele. Vai para o computador e começa a escrever para alguém especial as coisas mais íntimas que lhe passam no coração. Chora. Escreve. Olha para a chuva. Escreve mais um pouco. Envia. São onze horas da noite deste mesmo dia. O destinatário da sua mensagem está dando uma festa. Todo mundo fala alto, ri muito, rola a maior sonzeira. Ele pega uma cerveja e dá uma escapada até o computador. Abre o correio. Está lá a mensagem. Um texto longo que ele lê com pressa. Destaca algumas palavras: "a saudade é tanta... sozinha demais... dividir o que sinto..." Papo brabo. Responderá amanhã. Deleta. 
Alguém pode escrever com raiva, escrever com dor, escrever com ironia, escrever com dificuldade, escrever debochando, escrever apressado, escrever na obrigação, escrever com segundas intenções. Nada disso chegará no outro lado da tela: a pressa, a hesitação, a tristeza. As palavras chegarão desacompanhadas. Será preciso confiar no talento do remetente em passar emoção junto de cada frase. Como pouquíssimas pessoas têm esse dom, uma mensagem sensível poderá ser confundida com secura, tudo porque faltou um par de olhos, faltou um tom de voz. Se você passou a desprezar alguém, pode escrever "não quero mais te ver". Se você ama muito alguém, mas a falta de sintonia lhe vem machucando, pode escrever "não quero mais te ver".
Uma mesma frase e duas mensagens diferentes. Palavras são apenas resumos dos nossos sentimentos profundos, sentimentos que para serem explanados precisam mais do que um sujeito, um verbo e um predicado. Precisam de toque, visão, audição. Amor virtual é legal, mas o teclado ainda não dá conta de certas sutilezas.


Martha Medeiros .


- O que houve menina ? Mal se feriu e já está na linha de tiro novamente ? - outra pessoa perguntou-lhe , ela sorriu e continuou andando de cabeça erguida . Sabia que aquela não seria a última vez que iria se machucar . Mas pouco importava ; nada que não fosse afeto importava , na verdade . Percorreu o olhar demorando alguns segundos sob suas cicatrizes . Conhecia bem cada uma delas , causa e causador . Conhecia também a dor de perto , e acenou de volta todas as vezes que esta a cumprimentou . Ofereceu muitas lágrimas em troca de palavras nem sempre solúveis . E apesar de tudo , respondeu com a mesma calma de sempre .
- Fazer o quê ? Da vida eu só levo o coração .



Marí M.
Acredite , eu não me sinto nada mal por isso . Até cheguei a ficar triste algumas vezes (quando ainda existia algum afeto) mas, de uns tempos pra cá só me pego rindo disso tudo . Dessa grande palhaçada que me diverte , antes de me abusar . Porque o abuso vai chegar , eu sei , qualquer hora dessas .


Marí M.


Tão só e, mesmo assim , tão alegre . Olhos castanhos , cabelo molhado e um sinal perto da boca . Sentada na calçada vendo a vida passar , vendo as nuvens mudarem de forma . Escrevendo em papeizinhos coloridos seus sonhos . Desorganizando a vida , ajeitando pra caber mais coisas , mantendo segredos , se desfazendo de tudo o que é passado , de tudo o que passou . Sorrindo com palavras novas , se apegando a pessoas antigas . Depositando todo seu afeto em cada abraço . Abraçando causas novas sobre questões antigas . Mudando todo dia ; gostando , algumas horas por dia , da solidão . Alegre e tão só . Vendo a vida passar e as nuvens mudarem de forma por seus olhos castanhos , com o vento passando pelo cabelo molhado , e um sorriso escancarado com um sinal , perto da boca . 


Marí M.

 
Eu sempre vou perturbar alguém , mesmo estando calmaria . Sempre vou ter essa mania de perseguição , mesmo presa numa sala vedada . Sempre vou pensar que o copo está transbodando , mesmo ele estando meio vazio . Tudo culpa dos outros . Os outros que insistem em me acordar , fazendo barulho , repassando o som , gritando aos quatro ventos coisas que eu já sei . Eu só quero dormir , permanecer calmaria ou quem sabe morrer afogada , numa sala transbordada de copos meio vazios .


Marí M.